Dias 17 a 24

17º Dia - 06/04/2008
El Calafate – Cidade Perito Moreno, 626 km

As 5:25 já estávamos com toda a bagagem na moto, mas antes de subir tivemos que tirar o gelo que estava sobre os bancos. Aquela manhã, segundo o recepcionista do albergue estava fazendo -5,2 graus e como chovera durante a noite muita coisa estava coberta por uma película de gelo, incluindo as motos.

Como estava muito bem agasalhado não passei frio, em compensação o Junior após meia hora sobre a moto estava congelando. Em função da quantidade de roupas que usava os meus alforjes estavam vazios e eu parecia uma cebola (de tantas camadas de roupa). Segundo os entendidos quanto mais camadas melhor para se proteger do frio, foi o que fiz e funcionou muito bem. Neste dia eu estava usando:
- 2 camisetas de malha manga longa;
- 1 moletom;
- 1 blusa de lã com pontos bem pequenos (sem furinhos);
- 1 colete de tecido bem quente (não sei o nome do material);
- jaqueta de cordura com forro térmico;
- 1 ceroula;
- 1 calça de agasalho;
- calça de cordura com forro térmico;
- 1 par de luvas solo;
- 1 par de luvas de couro forradas;
- 1 par de luvas impermeável para neve;

Quando paramos para o Junior colocar mais algumas roupas presenciamos um dos nasceres do sol mais bonitos que já vi. Após o Junior “esvaziar” os alforjes seguimos viagem por mais uns quarenta minutos quando chegamos as margens do lago Viedma. Ali paramos para tomar o nosso café da manhã (bolachas e suco), mas nem pudemos curtir muito a paisagem, pois o vento pela primeira vez se mostrou realmente forte (muito mais que em Torres del Paine).

O trecho até aqui estava em obras e por isso pegamos vários desvios de rípio, somando davam uns 30 km. Como estava muito compactado eu estava até gostando da brincadeira e não entendia porque todos que pegavam este tipo de piso caiam. Acabada as obras chegamos a cidade de Três Lagos, onde o asfalto termina de vez e também onde se encontra o último posto até Bajo Caracoles – são 316 km. Abastecemos as motos e nosso galões reservas que totalizavam 18 litros, 9 em cada moto.

Um pouco antes das 9:00 estávamos saindo do posto e conhecendo a verdadeira rota 40, com muito rípio solto e muito vento lateral vindo da cordilheira. Depois, mais tarde já no hotel na cidade de Perito Moreno, descobrimos que os ventos naquele dia estavam soprando muito gelados pois estava nevando na cordilheira. A velocidade beirava os 90 km/h.
Com estas condições e a minha falta de prática com o piso fui parar três vezes fora da pista, mas felizmente não caí. Como não conseguia me manter nos trilhos deixados pelos poucos carros que ali circulam tentei andar fora da estrada, no deserto propriamente dito como se estivesse no Paris-Dakar. Foi mais fácil de manter a moto em linha reta, porém tinha que andar devagar por conta de algumas touceiras perdidas que eram muito duras e judiavam da suspensão dianteira. Resumindo, voltei para a estrada e tive que me acostumar com o rípio o que aconteceu em uns 20 quilômetros. É aí a coisa fica perigosa, pois íamos pegando confiança e aumentando a velocidade, chegando a manter em vários trechos a velocidade acima dos 90 km/h. O problema é que estávamos andando inclinado para o lado esquerdo para compensar o vento e quando recebíamos uma rajada mais forte ou o vento cessava por alguns instantes saíamos do trilho pegando o rípio solto e a moto dançava para todos os lados sendo um sufoco mantê-la sobre controle. Graças a Deus nem eu nem o Junior caímos.
Durante o dia todo até chegarmos a Bajo Caracoles, por volta das 17:00, nossa rotina foi curtir o verdadeiro deserto patagônio e é claro, a briga para não cair. Como o próprio nome já diz a cidade é num lugar muito baixo e na chegada a estrada desce muito em uma paisagem muito bonita. Eu chamaria o lugar de vilarejo, pois tem no máximo uns 6 quarteirões e um único ponto comercial, onde fica o posto, o mercado, o locutório e o hotel. Faltando uns 200 metros para chegar à cidade o combustível de minha moto acabou e como fiquei com preguiça de recorrer aos nossos estoques empurrei-a até o posto, o Junior só dava risada (espera que tem troco.....).

Após abastecer fui direto ao banheiro, pois já faziam umas três horas que precisava, mas não tive coragem de baixar as calças (muitas calças) com todo aquele vento gelado. Agora mais aliviado fomos “almoçar” no mercadinho. Enquanto comíamos assistimos parte de uma partida de futebol que passava na TV e era acompanhada fervorosamente por umas 10 pessoas que bebiam cervejas. Enquanto isso o Junior e eu discutíamos, novamente no bom sentido, se íamos até ao destino previsto para o dia 125 quilômetros a frente ou se dormíamos ali mesmo. Resolvemos seguir viagem.
Saímos por volta da 18:00 horas e já era noite. Tudo que descemos para chegar a Bajo Caracoles tivemos que subir em uma estrada muito pior do que tudo que havíamos enfrentado durante todo o dia. O rípio estava muito solto e havia muitos precipícios. Os últimos 51 km eram de um asfalto novinho em folha, onde pudemos andar bem apesar das inúmeras lebres que constantemente nos assustavam ao cruzar a estrada. Protegidos por Deus chegamos ilesos a cidade de Perito Moreno as 21:10.

Como minha esposa sabia do nosso roteiro tratei de ligar assim que chegamos à cidade, pois ela tinha noção do perigo do dia. Quando retornei para as motos o Junior estava deitado sob a XT, tentando descobrir por onde estava vazando óleo. Como estava escuro e nós muito cansados nos acomodamos em um hotel na avenida principal e fomos jantar. Decidimos que iríamos acordar um pouco mais tarde no dia seguinte, resolver o problema do vazamento e daí seguir viagem.

Nestes 625 km percorridos durante o dia cruzamos com no máximo 15 carros e uns 10 caminhões comprovando o isolamento patagônio. Isto aumenta em muito o perigo de percorrer a rota 40 e aumenta muito mais a beleza local, além de engrandecer o ego por mais esta conquista, ainda que por enquanto parcial pois ainda tínhamos os últimos 124 quilômetros de rípio da viagem a serem percorridos no dia seguinte.

Com relação aquele pavor que eu estava de cair na rota 40 eu já espantara. Concluímos que se estivéssemos com motos 
grandes, como GS-1200, V-Strom, Varadero entre outras não conseguiríamos segurá-las em alguns momentos e daí iríamos conhecer o solo patagônico de pertinho. Isso ficou bem claro nas três vezes que saí da estrada. É claro que estou falando com base na minha habilidade no off-road que é quase zero.









18º Dia - 07/04/2008
Cidade Perito Moreno – Governador Costa, 357 km

Acordamos as 9:00 para não perder o café que era servido até as 9:30 e antes de carregar as motos fomos fazer um diagnóstico do que estava acontecendo com a moto do Junior. O número de marcas das pedradas que ela levou era enorme, sendo que uma delas trincou a tampa do cárter e por isso o vazamento. Como não tínhamos muito que fazer fizemos a revisão básica (esticar, lubrificar corrente), completamos o nível de óleo e verificamos o reaperto dos parafusos e porcas (vários estavam frouxos). Na Falcon as marcas de pedradas também eram muito grandes, a ponto de amassar os tubos inferiores do quadro. Também tinham vários parafusos frouxos (proteção do escape, proteção da corrente, etc). Com relação ao óleo, durante toda a viagem, a Falcon não baixou nem um milímetro se quer. Carregamos as motos, paramos num posto para abastecê-las e demos uma volta pela cidade na tentativa frustrada de encontrar uma oficina que pudesse soldar o cárter da moto.

Um pouco antes do meio dia saímos da cidade sob um vento ainda mais forte que o do dia anterior, porém um pouco menos gelado. A temperatura estava em torno dos 10 graus. Assim que saímos do asfalto no deparamos com um trecho de rípio que mais parecia areia. Foram aproximadamente 5 quilômetros como se estivéssemos andando em dunas. Em encalhei 4 vezes, sendo obrigado a sair de cima da moto e ir acelerando-a / empurrando-a. Quando forçava a moto para sair do areião a corrente pulava os dentes do pinhão fazendo muito barulho, me assustando, pois ainda tínhamos 805 km até Bariloche onde eu iria trocar a transmissão.

Passado este perrengue o restante da estrada de rípio estava boa com trilhos bem definido e firmes deixados pelos carros. O único problema era manter a moto nesta trajetória, pois o vento estava muito forte aquele dia. A cada 30 quilômetros parávamos para completar o nível de óleo da XT e em uma das vezes o vento derrubou a minha moto. Felizmente sem avarias maiores, só quebrou a proteção da mão esquerda. Esta peça por sinal é muito útil pois corta boa parte do vento que incidiria direto nas mãos.  Vale a pena instalar.

Em um momento da viagem o Junior abriu um pouco de distância em relação a mim, ele parou e ficou sobre a moto apoiado sobre uma perna enquanto tirava uma foto minha se aproximando, foto esta que ficou espetacular. Quando eu estava bem perto soprou uma rajada mais forte de vento e ele foi com moto e tudo para o chão. Felizmente a moto não caiu sobre ele. Parei a moto, ajudei-o a levantar a XT e quando olho para a minha o vento havia derrubado-a. Antes de irmos levantar a Falcon escoramos a XT num barranco para que o vento não a derrubasse-a novamente.

As 4:00 da tarde chegamos a cidade Rio Mayo e ao fim do rípio para alívio das motos que se mostraram muito valentes até aqui. Paramos no único posto e lá fizemos uma nova “revisão” nas motos, desta vez incluindo a aplicação de uma massa no cárter da XT, muito parecida com massa de calafetar, que encontramos no posto. Ela é vendida para tampar furos em tanques de combustível mas resolvemos testar – funcionou muito bem, não vazou mais nenhuma gota até Bariloche.

Após trabalhar nas motos, entramos na loja de conveniência para fazermos as nossas “manutenções”, tirar o pó das roupas, lavar o rosto e as mãos e finalmente comer e beber alguma coisa. Enquanto comíamos chegou um Hilux com 4 gaúchos de Torres (dois quarentões e dois sessentões). Eles estavam fazendo exatamente o mesmo percurso que o nosso.
Enquanto conversávamos o que chamava a atenção era o vento que fazia do lado de fora da loja de conveniência, ele havia ficado ainda mais intenso. Segundo a caixa da loja de conveniência o vento passava dos 110 km/h e é muito comum naquela região, sendo que em agosto ele é ainda mais intenso.

Procuramos não demorar e voltamos para a estrada antes das 17:00 horas pois ainda tínhamos que percorrer 229 quilômetros até o nosso destino do dia agora em um tapete preto muito bem conservado. A pista ainda com pouquíssimo movimento e com fortíssimo vento lateral. Por causa dele passamos por dois caminhões baú tombados que foram jogados para fora da estrada.

Fizemos este trecho com uma única parada que foi embaixo da placa de entrada da cidade quando acabou a gasolina da minha moto que em função do vento estava fazendo a incrível média de 14,5 km/l. Mais uma vez recorremos ao nosso estoque e fomos direto ao posto.

Lembra-se de quando falei que haveria troco pelo Junior rir de mim em Bajo Carocoles quando empurrei a moto até o posto? Pois bem, agora foi a minha vez, a gasolina dele acabou a meia quadra do posto e ele chegou empurrando-a.
Antes das 20:30 já estávamos de banho tomado entrando em um restaurante anexo ao hotel. Mal entramos e fomos convidados pelos quatro gaúchos para sentarmos à mesa e jantarmos com eles. Ficamos comendo e conversando e nem percebemos a hora passar retornando após a meia-noite para o quarto. O vento ainda continuava muito forte e tudo assoviava, mas nada que atrapalhasse o meu sono.


19º Dia - 08/04/2008
Governador Costa - Bariloche, 448 km

O despertador durante toda a viagem foi minha responsabilidade e nesta manhã quando ele tocou as 7:00 acordei, porém não levantei e nem chamei o Junior.  Resolvi descansar mais um pouco pois o calor do cobertor e o barulho do vento não me deram coragem de sair da cama. Por conta disso só saímos as 10:30 do hotel, ainda sob muito vento.

Mal pegamos a estrada e a uns 50 quilômetros de Governador Costa vimos um nuvem marrom se aproximando de nós, paramos a beira da estrada para entender o que era aquilo. A ficha levou alguns minutos para cair, mas quando caiu bateu um certo desespero – era uma tempestade de areia. Como estávamos longe de tudo e não tínhamos outra coisa a fazer, subimos nas motos e tocamos em frente. Não deu nem 5 minutos e demos de frente com muitas rajadas de vento e areia. A visibilidade caiu a praticamente zero, mas felizmente durou poucos minutos e assim que passamos por ela paramos para relaxar e diminuir a euforia. A viseira do meu capacete, bem como a pintura dele e a bolha da minha moto ficaram literalmente jateadas – totalmente foscas.  Fora isso, a tempestade de areia só serviu para apimentar a nossa aventura.

Depois da tempestade o vento nos “perseguiu” por mais 150 quilômetros quando chegamos ao acesso para El Maiten, onde tivemos que recorrer aos galões de gasolina reserva, pois no vilarejo Tecka alguns quilômetros antes, o único posto estava fechado. Este vilarejo fica em um vale muito bonito e na descida próxima a cidade cruzamos com 6 ciclistas que visivelmente estavam sofrendo muito mais que nós com o vento.

A paisagem a partir deste ponto muda muito, surgindo muitas árvores e vários riachos que descem da cordilheira. Juntamente com esta mudança o vento desaparece tornando a viagem muito mais prazerosa. Também é a partir daí que a relação da Falcon começa a entregar os pontos. Toda vez que eu pegava uma subida ou passava dos 80 km/h a corrente pulava os dentes do pinhão. O que mais assustava é que tínhamos mais de 200 quilômetros pela frente. Em função disto só paramos em Hoyo para abastecer e almoçar (sanduíches como sempre), pois para arrancar eu tinha que embalar a moto com os pés. Por conta disso não tiramos nenhuma foto da região, que é lindíssima – uma pena.

Passamos por El Bolson com inúmeras cabanas a beira da estrada e dos inúmeros rios da região. Por volta das 16:00 chegamos num trecho da estrada a beira do lago Nahuel Huapi que já faz parte do município de São Carlos de Bariloche. A paisagem é linda e merecia muitas paradas para fotos, mas optei em não parar com medo de não conseguir arrancar. Estas lindas paisagens ficaram imortalizadas somente na memória.

Quando a estrada sai das margens do lago e nos aproximamos da periferia da cidade levei um susto e me decepcionei. Muitas favelas, aterro sanitário a beira da rua com muita gente catando restos, e um transito caótico. Desde que saímos do Chuí não víamos um ambiente desagradável como este. Para aumentar a decepção minha expectativa da cidade era outra totalmente diferente. Ao chegar ao centro as coisas melhoram muito a ponto de eu gostar da cidade, mas como diz o ditado – a primeira impressão é a que fica.

Fomos direto ao albergue que tínhamos nos programado ficar e para onde a minha esposa enviou a relação de transmissão. Para piorar não tinha vaga e a peça não havia chego. Fomos a centro de informações e de lá seguimos para um dos hotéis indicados e sem pesquisar muito ficamos por ali. O hotel não dispunha de garagem, porém permitiram que estacionássemos as motos na lavanderia junto a muitos colchões e roupas de cama. Por uma graça de Deus a relação agüentou até a porta do hotel, literalmente, pois depois da negociação não consegui subir a rampa que dava acesso a lavanderia, tive que empurrar a moto.

Depois de instalados e um bom banho fomos fazer um city tour a pé pelo centro, jantarmos e telefonar para casa. Em pouco tempo já descobrimos que em Bariloche tudo é bem mais caro que o resto da Argentina, principalmente se comparado com o resto da Patagônia. Por volta das 23:00 eu estava dormindo.


20º Dia - 09/04/2008
Bariloche

Logo após o café da manhã passamos no albergue para ver se as peças haviam chego e nos dirigimos para uma oficina que pegamos o endereço no centro de informações no dia anterior. No caminho recebi a ajuda de alguns pedestres para empurrar a moto em uma ladeira pois ela teimava em não subir - felizmente só havia uma no caminho.

Depois de alguma negociação ficamos de pegar as motos no dia seguinte na hora do almoço. Abaixo a lista de serviços que foram executados:
Falcon:
- Substituição da relação original que estava com 37.842 km por de uma moto de trilha, a única que achei em Bariloche. A coroa tinha 4 dentes a mais;
- Troca do pneu traseiro, apesar do que estava da moto ainda estar razoável. Eu teria que trocá-lo quando chegasse em Curitiba e como estava a metade do preço aproveitei para trocá-lo;
- Troca do óleo;
- Troca do filtro de óleo;
XT-660R:
- Solda da tampa do cárter;
- Troca do óleo;
- Troca do filtro de óleo;

Deixadas as motos na oficina fomos passear pela cidade. Passamos pelo centro cívico, a rua nas margens do lago e todo o centro. Fizemos algumas compras, incluindo roupas e chocolates. Almoçamos e logo em seguida fomos fazer a siesta, assim como é feito pelos argentinos. Já com o cair da noite saímos para passear novamente pela cidade.




21º Dia - 10/04/2008
Bariloche – Piedra Buena, 203 km

Logo após o café da manhã saímos para conhecer o Cerro Otto. Para ir até lá pegamos um ônibus que vai margeando o lago até a base do morro onde está localizada uma grande estação teleférica. Não sei informar altura do morro e nem a altura que as cabines (que cabem 4 pessoas) ficam do chão, mas posso garantir que é alto. Imagino que quem tem vertigens deva sofrer muito neste passeio.

Lá no topo tem-se uma visão magnífica do lago e da cidade, bem como dos inúmeros morros com picos nevados que cercam toda a região. Sem dúvida esta experiência fez mudar a minha primeira impressão da cidade.

Retornando do passeio passamos novamente no albergue para ver se as peças haviam chego e novamente fui informado que não. Resolvemos então ir ao correio para saber onde estavam. Infelizmente a notícia foi péssima, elas ainda estavam presas na alfândega em Buenos Aires e só chegariam em 5 dias. A estas alturas a moto já deveria estar pronta e as peças não fariam falta, mas a preocupação era para não perder a relação que minha esposa havia colocado no correio. Quase um mês depois da minha chegada a Curitiba recebi uma ligação do correio dizendo que a minha correspondência havia sido devolvido da Argentina por não terem achado o destinatário. Como não teria custo adicional fui buscá-la e com isso fiquei com uma relação reserva.

Para fechar a visita almoçamos um fondee muito bom e depois comemos chocolate em uma loja que possui uma fabrica muito grande na região. Como trabalho em uma fábrica de chocolates gostaria de visitá-la, mas devido aos horários não foi possível. Retornamos ao hotel, arrumamos as malas e fizemos o check-out.
Colocamos os alforjes e baús, agora no porta-malas de um táxi, e fomos até a oficina. Chegamos pontualmente na hora combinada (as 14:00 horas), mas infelizmente as motos ainda não estavam prontas. Deixamos a bagagem na oficina, fizemos mais um passeio pelo centro da cidade e voltamos as 16:00 quando elas estavam praticamente prontas para pegar a estrada novamente.

Acertada as contas as 17:00 estávamos abastecendo as motos num posto na saída da cidade e já descobrimos que ambas estavam com vazamentos. A XT na junta da tampa do cárter que havia sido soldada e na minha moto a tampa do filtro de óleo que fora trocado. Como já estávamos muito atrasados fizemos uma bela gambiarra com aquela massa para tampar furos de tanque de combustíveis que havíamos comprado em Rio Mayo. Funcionou, resistiu bem até Curitiba.

Andamos pouco mais de 20 minutos e o sol se pôs, por conta disto fizemos praticamente 160 km de uma estrada que dizem ter paisagens magníficas no escuro sem poder curtir o trajeto. Ela passa por uma serra com muitas curvas, subidas e descidas deixando a sensação que devo refazer este trajeto em alguma outra viagem, de dia é claro! Mas como estávamos com o cronograma de viagem extremamente apertado não pudemos nos dar ao luxo de ficar mais uma noite em Bariloche. Cada quilômetro vencido era muito bem vindo.

Paramos somente em Piedra Buena, onde abastecemos, compramos um lanche e fomos para um hotel de beira de estrada (junto ao posto mesmo). Ainda antes de desmaiar, planejamos os detalhes do dia seguinte, no qual tentaríamos fazer a prova do Iron Butt, que consiste em fazer 1000 milhas (1650 km) em menos de 24 horas. Caso tenha interesse em conhecer mais detalhes é só acessar o site na internet. Não sou muito fã deste tipo de viagem, pois para mim, uma viagem de moto tem que ser curtida e neste caso não é bem isso que acontece. Mas como disse a pouco estávamos praticamente 700 quilômetros atrasados em relação ao cronograma, ou seja, um dia de viagem.

A nossa idéia era pegar a estrada as 6:00 da manhã e rodar a média de 120km/h, parando somente para abastecimento/banheiro/lanche, desta forma fecharíamos o percurso por volta das 2:00 da manhã. As estradas do dia seriam desertas, retas e com pouco transito, com exceção da ruta 5 e da periferia de Buenos Aires e por este motivo tudo indicava que conseguiríamos fazer.







22º Dia - 11/04/2008
Piedra Buena - Chivilcoy, 1194 km

Para começar “bem” o Iron Butt acordamos atrasado, colocando os pneus na estrada somente as 7:30. Após alguns minutos na estrada observamos que teríamos mais um grande adversário – o vento. Ele nos castigou por praticamente 500 quilômetros, impedindo que andássemos na média prevista, além de exigir demasiadamente de nós.

Quando chegamos a General Acha estávamos tão cansados que ficamos uma hora parado no posto lanchando e descansando. Ali engatamos uma conversa sobre as estradas locais com um argentino – ele possui uma BMW GS 1200. Depois desta cidade o vento cessou não nos incomodando mais. Também a partir deste ponto entramos no ritmo do Iron Butt, porém um pouco tarde.

A uns 200 quilômetros de Buenos Aires a XT parou de repente, embora o motor estivesse funcionando. Fiz a volta e cheguei ao lado do Junior para ver o que estava acontecendo. A corrente havia caído, para sorte do Junior para o lado do cubo. Observamos que ela estava bem danificada, apesar disto depois de recolocada, ajustada e lubrificada ela se comportou bem por mais uns 300 quilômetros.

Por volta das 2:00 hora da manhã paramos na cidade de Chivilcoy na região metropolitana de Buenos Aires após percorrer 1194 quilômetros desistindo de conquistar o Iron Butt.
Uma coisa que havíamos acertado na noite anterior em Piedra Buena é que quando um de nós estivesse muito cansado ou com sono iríamos parar, foi o que fizemos. Eu estava ficando com sono e para não corrermos risco falei que queria parar e apesar do Junior estar inteiro ele acatou a decisão sem questionar. Eu acredito que este é um dos motivos que nos tornaram bons parceiros de viagem. O respeito à vontade do outro.


23º Dia - 12/04/2008
Chivilcoy - Uruguaiana, 727 km

Nesta manhã nos demos ao luxo de dormir um pouco mais e caíamos na estrada somente as 10:30. Andamos poucos quilômetros e o trânsito ficou bem complicado, afinal estávamos chegando a Buenos Aires. Estávamos com medo de errar os acessos, mas apesar disto conseguimos pegar as estradas que contornam a capital e desta forma estávamos saindo da região metropolitana de BA um pouco após o horário de almoço.

Antes de entrar na ruta 14 que nos levaria direta ao Brasil paramos em um posto lotado de motos esportivas (provavelmente moradores de Buenos Aires que estavam a passeio) para fazermos o nosso almoço que como sempre eram lanches.

Deste ponto da viagem em diante a ansiedade de chegar ao Brasil foi tomando conta. A estrada estava relativamente movimentada e tinha vários trechos em obras (duplicação), por conta disto havia muita terra sobre o asfalto e vários desvios. Para completar o quadro a corrente da moto do Junior escapou mais três vezes, mesmo sendo regulada a cada 100 quilômetros.

Em uma das paradas em um posto de gasolina para ajustar a corrente parou um canadense com uma moto irreconhecível. Ele é sargento do exército canadense e trabalha para a ONU em locais em crise. Para cada missão de 1 ou dois anos ele tem direito a férias de 6 meses, nas quais pega a sua moto e viaja pelo mundo. Já tinha feito a volta na Terra na horizontal como disse ele – paralelamente ao equador cruzando a América do Norte, Europa e Ásia. Agora esta fazendo na vertical (pela Américas) e para as próximas férias dali a um ou dois anos o projeto será fazer a Terra na vertical novamente, só que passando pelos continentes Europeu e Africano.

A moto que ele estava pilotando foi toda preparada por ele mesmo. É uma BMW GS-1200 2006. A carenagem foi toda substituída por uma que acomoda quatro potentes faróis e faz proteção aerodinâmica completa. Nesta mesma carenagem pelo lado interno existe embutidos GPS, velocímetro e odômetros digitais. O tanque é de plástico (translúcido para dispensar o marcador) e comporta nada menos que 47 litros dando uma autonomia de aproximadamente 800 quilômetros segundo ele. O banco foi desenhado somente para o piloto e é bem acolchoado com direito a um pequeno encosto no baú traseiro, sendo todo construído com gel ao invés de espuma. Os compartimentos de bagagem são um caso a parte. Todos eles são plásticos e eram caixas utilizadas pelo exército canadense para transporte de armas e munições. O superior ocupa o espaço do garupa e o local tradicionalmente utilizado pelo bauleto. Os laterais também possuem o mesmo comprimento. Imagino que o superior deva ter uma capacidade de 100 litros e cada um dos laterais deva ter uma capacidade de 60 litros, por serem estreitos – totalizando uns 220 litros de capacidade de carga. Segundo ele os compartimentos internamente são todos divididos e com redes de forma que tudo está fixo e de fácil acesso. No superior ele transportava uma oficina completa, bem como peças sobressalentes e equipamentos de camping. Já nos laterais somente roupas e material de higiene. Para completar esta maravilha de viagem o quadro foi todo reforçado. Ah, a pintura é inteirinha na cor bege fosca, aquela utilizada nos veículos de guerra que vão para o deserto. Até hoje me arrependo amargamente de não ter tirado nenhuma foto da moto dos sonhos de qualquer viajante.

Depois de babar bastante com a moto e um bom bate-papo retornamos para a estrada. Dali em diante a coisa foi muito monótona até chegarmos à província de Entre – Rios, onde fomos parados pela polícia rodoviária. Infelizmente o policial que nos parou confirmou tudo aquilo que eu havia lido. Ele alegou que nós ultrapassamos em local proibido e por isso precisaria aplicar uma multa de 250 pesos por moto. Como estávamos a menos de 100 quilômetros da fronteira com o Brasil nós fomos usando todo o peso argentino possível para não termos que fazer câmbio ao entrar no Brasil. O guarda falou que neste caso teria que aprender as motos, mas que antes disso iria falar com o chefe. Ao retornar ele nos perguntou se eu tinha reais, falei que tinha somente R$20,00. Não contente com o valor perguntou para o Junior, que disse ter somente 20 dólares. O guarda parou por alguns instantes e disse que era o suficiente, embolsando R$20,00 e U$20,00 nos liberando. O detalhe é que fazia muitos quilômetros que nós não ultrapassávamos nenhum veículo sequer.

Dali até a alfândega argentina ainda tivemos que ajustar a corrente da XT mais uma vez. Fizemos os trâmites burocráticos e em poucos minutos estávamos cruzando a ponte sobre o rio Uruguai e felizes da vida paramos para tirar foto da placa que diz “Bem vindo ao Brasil”. Enquanto tirávamos as fotos parou um carro e perguntou em português se precisávamos de ajuda. Perguntei aonde era o posto e ele surpreendentemente disse - me siga, os levo até lá.
No posto abastecemos e fizemos um lanche e para a nossa surpresa o cara que nos levou ao posto voltou com outros dois motociclistas. Daí para frente o papo engrenou e acabamos ficando mais de uma hora no posto. O uruguaianos nos convenceram a seguir viagem somente no dia seguinte, sendo que um deles até ofereceu a casa para que lá dormíssemos. Agradecemos muito e fomos a um hotel bem em frente ao posto. Apesar de toda a canseira não consegui dormir direito, provavelmente pela ansiedade de chegar em casa e rever minha mulher.


24º Dia - 13/04/2008
Uruguaiana - Curitiba, 1091 km

Nesta manhã diferente das vividas no Uruguai, Argentina e Chile tomamos um café da manhã delicioso, com muita comida a vontade. Com tudo arrumado nas motos partimos para o nosso último dia de viagem. Dia este que nos surpreendeu com muita, mas muita chuva. Praticamente das 7:30 até as 18:00, quando chegamos a Concórdia viajamos de baixo de muita água. As estradas até que estavam boas, entretanto com alguns buracos e muito lisas, especialmente para o Junior que não havia trocado o pneu traseiro na Argentina. Por conta disto viajamos entre 80 e 100km/h durante todo o trajeto. A minha calça Zebra resistiu a água até as 14:00 e a jaqueta Tutto passou incólume pelo dilúvio.

Quando paramos em Concórdia para abastecer observei que a minha moto estava fazendo barulho no motor o que me deixou bastante preocupado, afinal ainda tínhamos 400 quilômetros pela frente em uma estrada cheia de curvas, com chuva e de noite. Enquanto lanchávamos observei que o pneu traseiro estava murcho. Fomos verificar e constatamos que havia uma peça (parecia um pino de suspensão de caminhão) cravada no pneu. Deduzimos que entrou no acesso ao posto quando chegávamos. O borracheiro do posto não quis fazer o conserto, mesmo que eu retirasse a roda e portanto teríamos que ir até o centro da cidade para achar um que fizesse o serviço.

Enquanto nos preparávamos para ir a busca de um borracheiro observamos que um caminhão guincho (tipo plataforma) estava parado no posto. Perguntamos para o motorista qual o destino e para a nossa alegria ele estava retornando para Belo Horizonte e iria passar por Curitiba. Tentamos descolar uma carona, mas o cara não quis, dizendo que seu chefe não permitia fretes extras. No fundo ele só queria uma grana a mais, pois quando perguntamos quanto custaria o transporte ele rapidinho disse que seria R$300,00. Fizemos uma choradeira e fechamos o negócio em R$200,00 (para nós dois e as duas motos).

Fixamos as motos na plataforma enquanto o motorista foi tomar um banho e lanchar. Por volta das 23:00 estávamos saindo de Concórdia rumo a Curitiba, agora de “carona”. Durante toda a viagem tentei dormir, mas foi praticamente impossível, pois o caminhão, um Volkswagem, já bem judiado balançava muito e não andava nada.

Chegamos a Curitiba somente as 5:00 horas da manhã e até descarregar as motos ir a um caixa eletrônico pegar dinheiro para pagar o frete e seguir até a minha casa com o pneu furado (que enchi com espuma) acabei passando por frente a empresa que trabalho as 7:00 horas, sendo que teria que estar ali as 8:00 para trabalhar.

Ao chegar em casa foi muito gostoso rever minha mulher, embora muito rápido, pois ela estava saindo para o trabalho.