Dias 9 a 16

9º Dia - 29/03/2008
Ushuaia, 74 km

Após o café da manhã da pousada fomos direto para o Parque Nacional Tierra del Fuego, o qual é muito difícil de descrever (como muita coisa que vimos). Dentro do parque existem inúmeras trilhas, mas como nosso objetivo não era fazer treeking seguimos pela estrada de rípio que serpenteia entre diversos lagos de águas verdes e bahias de águas transparentes, tudo emoldurado por montanhas com os cumes cobertos com gelo e florestas de Lengas (árvore típica da região). O final desta estrada é também o final da rota 3 e o ponto mais austral que se pode chegar em um veículo com rodas. Dali para frente existe mais um pedacinho de terra onde está localizada a base militar chilena Puerto Willians e depois a Antártida.

Após algumas fotos em frente a placa que indica o fim da rota 3 fomos para a bahia da Isla Redonda, onde está localizado o correio mais austral do mundo. Enviei alguns postais para minha esposa, os quais chegaram 5 dias após eu ter retornado para casa. Mas o mais legal deste correio é levar o passaporte para que seja colada uma bandeira argentina e depois carimbem-no dizendo que você esteve no fim do mundo – é muito legal.

        Como disse o parque é fantástico e se fosse desbravá-lo por inteiro seria necessário pelo menos uma semana, tempo que não dispúnhamos. Seguindo a nossa programação saímos do parque e fomos direto para o Glaciar Martial. Este está localizado em uma montanha que pode ser vista de praticamento todos os pontos de Ushuaia e dá um charme especial a cidade.

O acesso até ele é feito por uma estrada asfaltada com belas paisagens e muitas curvas, a qual termina em uma estação de teleférico. Nós optamos em pegar o teleférico (de cadeirinha) ao invés de caminhar. A subida pelo teleférico leva 14 minutos e ao fim desta só existe uma opção para chegar ao glaciar - caminhar.

O caminho até a base do glaciar a partir do fim do teleférico, é muito íngreme e foi feito em 1 hora. O problema que estávamos com roupas para andar de moto e não para trekking, o que dificultou bastante e nos fez suar muito. No visual que é deslumbrante pode-se ver o canal Beagle e toda cidade do Ushuaia, deixando claro que todo o esforço valeu a pena. Curtimos a paisagem por um tempo e começamos o caminho de retorno, chegando nas motos por volta das 5 horas da tarde.

Antes de retornarmos para o albergue tomar um banho fomos a praça que existe na beira mar tirar fotos da placa “Ushuaia – fin del mundo” e marcar o passeio do dia seguinte. O planejado era pegar um barco e navegar no canal Beagle, passando pelo “faro”, pinguineiras e loberias. Em 3 agências nos disseram que não poderíamos ver pinguins, pois já haviam migrado para outros lugares. Nos aconselharam ir a Punta Arenas no Chile, onde existe uma pinguineira muito grande, na qual é possível chegar de moto.

Retornamos para o albergue e tomamos um bom banho para esquentar, pois eu estava congelando. Estava molhado desde o “trekking” por conta do suor. Descansamos um pouco e fomos jantar em um “tenedor libre”, que ao pé da letra significa garfo livre – para nós simplesmente buffet. Um dos pratos servidos era o cordeiro assado aberto no espeto, uma delícia apesar da quantidade de gordura. Durante o jantar ficamos discutindo (no bom sentido) qual seria nosso planejamento, já que não iríamos fazer o passeio pelo canal Beagle e portanto poderíamos sair um dia antes. Tomada a decisão e terminado o jantar retornamos para o albergue arrumar as malas para seguir viagem para Punta Arenas, seguindo o conselho das agências de barcos.














10º Dia - 30/03/2008
Ushuaia – Punta Arenas, 572 km

        Nos enrolamos para sair e pegamos a estrada somente as 10 horas. Em função disto estávamos preocupados, pois se bobeássemos perderíamos a balsa que faz o transbordo Porvenir – Punta Arenas. Para ajudar teríamos que passar por uma alfândega e mais 175 quilômetros de rípio, que segundo as informações estava em bom estado.

        De todo o percurso a ser realizado somente neste trecho nós passamos pela mesma estrada mais de uma vez. O retorno do Ushuaia só é possível pela rota 3 passando pelo Passo Garibaldi, Tolhuin, Rio Grande e San Sebastian onde fizemos a alfândega que graças a Deus foi muito rápida. Ali nos informaram que o barco realmente sairia as 17 horas, porém tinhamos uma hora a nosso favor por conta do fuso horário.

        Logo após passar por San Sebastian pegamos a esquerda em uma bifurcação em direção a Porvenir. A estrada estava muito boa e pudemos manter a velocidade entre 70 e 90 Km/h, isto até chegar as margens da bahia Inútil, pois a partir deste ponto começou a chover e a estrada começou a ficar lisa. Para complicar a estrada neste trecho é bem sinuosa e cheia de penhascos que terminam no mar. Imagino que a paisagem com sol deva ser muito bonita. Entramos em Porvenir e fomos direto para o porto. Ao chegar embarcamos as motos sem nem precisar desligá-las. Saí da balsa e fui comprar os ingressos no meio de uma confusão enquanto o Junior amarrava as “bichinhas”. Quando retornei para a balsa já eram 16:55, ou seja, se não fosse por conta do fuso horário teríamos perdido o transbordo.

        A balsa estava lotada e dentro da cabine chegava a faltar ar, pois com o frio que fazia do lado de fora não havia nenhuma janela aberta. Para se ter uma idéia de como estava ruim o ar nós optamos viajar junto aos fumantes do lado de fora, mesmo não sendo. O transbordo levou quase 4 horas. Durante este tempo fomos conversando com um sargento do exército chileno que estava acompanhando uma turma de formandos do treinamento que ministrara. Por este motivo o tumulto no porto, onde havia até banda.

        Continuava chovendo, a temperatura beirava os 5 graus e com o vento do barco a sensação térmica despencava. A água do mar, segundo o sargento, nesta época do ano fica em 3 graus, um paraíso para os pinguins e focas (vimos vários durante a travessia). Ao chegar na cidade fomos para o centro e para nossa sorte o primeito hotel que entramos era bom e com preço justo, ficamos ali mesmo, só saímos para jantar pois a fome naquele momento era maior que o cansaço.






                         
11º Dia - 31/03/2008
Punta Arenas – Puerto Natalis, 313 km

Próximo das 7:30, após o café da manhã, fizemos um rápido city tour, abastecemos e seguimos viagem com destino a Torres del Paine. No caminho fizemos um desvio para ver a pinguineira que nos indicaram no Ushuaia. O acesso é feito por uma estrada de rípio em bom estado, onde pudemos manter uma média de 60 km/h. Só o que atrapalhava eram alguns rebanhos, nos quais os bois cruzavam a estrada de um lado para o outro e em alguns momentos ficavam parados no meio da estrada. Ao chegar na pinguineira fiquei decepcionado. Não fiquei mais decepcionado, pois consegui ver alguns pingüins retardatários. A colônia chega a ter mais de 10.000 pingüins, mas eles já haviam migrado da mesma forma que no Ushuaia. Infelizmente ficamos sabendo depois, quando encontramos um grupo de brasileiros em El Calafate, que muitos pinguins ainda estavam no canal Beagle no Ushuaia.

Retornamos para a rota principal e seguimos direto para Puerto Natalis. No caminho fizemos três paradas. Uma para abastecer na cidade de Gobernador Philip, em um posto em que antes de nos atender o frentista foi ligar um gerador para que as bombas funcionassem. A outra foi para tirar algumas fotos de um gambá (igualzinho ao que vemos nos desenhos animados) e da estrada. A última parada foi para tirar fotos de um belo lago ao lado da estrada. Um pouco antes desta parada a minha moto começou a apresentar uma trepidação muito estranha. Como faltavam menos de 30 quilômetros para o nosso destino toquei sem confirmar o problema que imagina ser.

Já na chegada da cidade paramos ao lado de outra escultura em forma de mão, muito parecida com a que vimos em Punta del Leste, porém menor. Nós até brincamos que haviam enterrado um gigante e deixaram as mãos de fora, uma no Uruguai e outra no Chile.  Esta escultura está localizada ao lado de um belo braço de mar com muitas montanhas belíssimas ao fundo. Alguns metros a frente paramos em um posto de gasolina, abastecemos e fui olhar o que estava acontecendo com minha moto. O pinhão da transmissão estava totalmente danificado, o que já era de se esperar, afinal a transmissão da minha moto era original e já estava com 35942 quilômetros.

Fomos até a oficina do Samuel, o único mecânico de motos da cidade, para trocar a transmissão. Para meu espanto não encontrei a relação reserva na minha bagagem (esqueci em casa, dá para acreditar?). Tinha pensado em todos os imprevistos possíveis e preparado cuidadosamente a bagagem com tudo que era necessário, como pode ser visto na lista de peças de reposição. E agora, o que fazer?

O Samuel sendo muito prestativo ligou para toda a região e conseguiu achar uma peça somente em Comodoro Rivadávia a quase 3000 quilômetros dali e levaria 3 dias para chegar. Como este prazo não era concebível em nossa programação pensamos um bocado em alternativas. Depois de alguns minutos a decisão foi pedir para o Samuel dar uma geral na transmissão das duas motos (limpar, esticar e lubrificar). Mais tarde liguei para a minha mulher solicitando para enviar a transmissão pelo correio para Bariloche. A previsão de chegada das peças era de 6 dias e como nós iríamos chegar lá em 7 dias daria tudo certo, desde que a moto agüentasse, afinal estávamos a um pouco mais de 1800 quilômetros de distância, sendo mais de 700 quilômetros em rípio. Do ponto de vista do Samuel isto seria impossível, ele acreditava que eu rodaria no máximo uns 300 quilômetros.

Saímos da oficina e fomos ao centro de informações de Puerto Natalis, onde fizemos as reservas do albergue (Las Torres) e compra dos ingressos para o Parque Nacional Torres del Paine. Também ali já nos instalamos no albergue da “Tia”, como todos chamavam por ali, que fica sobre o centro de informações. É um albergue muito simples, talvez até demais, todo em madeira e muito velho. Para compensar o atendimento da Tia é algo espetacular. Uma senhora de uns 55 anos de idade que nos fez sentir tão em casa que ao invés de irmos a um restaurante como havíamos feito até aquele dia, fomos a um mercado e compramos ingredientes para fazer o jantar (uma correção, o Junior fazer o jantar). A cozinha / copa foi compartilhada com uma dupla de israelenses que tentavam preparar um frango assado em meia hora (dá para imaginar o carvão que ficou por fora). Durante o jantar conversamos muito com a Tia que nos contou detalhes da região. Desde quão bela é a natureza por ali, até como eles são explorados pelo governo central do Chile, motivo pelo qual, o povo que vive na Terra do Fogo (tanto argentinos como chilenos) gostariam de ser independentes dos seus governos e serem um novo país. Eles já têm bandeira e tudo.

Foi uma jantar agradabilíssimo, mas como já estávamos cansados fomos para o quarto por volta das 22:00 horas.





                       
12º Dia - 01/04/2008
Puerto Natalis – Torres del Paine, 176 km

Com a moto “nova” (após a meia sola feita pelo Samuel) saímos do albergue da tia próximo das 9:00 horas em um dia frio, acho que estava menos de 5 graus. Após a saída da cidade rodamos uns 10 quilômetros de asfalto novinho em folha e dali em diante rípio. A nossa primeira parada foi no Parque Cueva del Milodón distante 38 quilômetros de Puerto Natalis.
O atrativo deste parque fica por conta de uma gruta com uma abertura muito grande (em torno de 50 metros de largura e uns 15 de altura) com profundidade de mais ou menos 100 metros. Esta gruta está localizada em um sítio arqueológico onde foi encontrado um animal pré-histórico, o Milodón, que era endêmico da região e viveu a 10.000 anos atrás. Apesar de seus 3 metros de altura era um animal herbívoro.

Logo na chegada ao parque fomos “recebidos” por alguns Zorros (nossas raposas). Estes bichos são muito graciosos e estranhamente não tem medo de nós, permitindo que cheguemos a poucos metros.

Após algumas fotos ingressamos no parque e fomos até a gruta, onde paira um ar muito legal - até parece que voltamos ao período pré-histórico. Curtimos um pouco este lugar, tiramos fotos ao lado de uma réplica do animal e antes de voltarmos para a estrada subimos o morro sobre a gruta. Do topo do morro tem-se uma vista fantástica do mesmo braço de mar que margeia Puerto Natalis e dos picos de Torres del Paine. É uma caminhada de 30 minutos em subida íngreme um pouco cansativa, mas vale muito a pena. De quebra fomos coroados com um vôo rasante de um Condor Andino. O Junior até conseguiu pegá-lo em algumas fotos, mas não ficaram muito boas.

Retornamos para as motos as 11:30 horas e voltamos para a estrada para pegar um dos trechos mais bonitos de toda a viagem, o qual recomendo muito ser feito de dia e com tempo. Como o albergue que reservamos é no outro extremo do parque rodamos mais 138 quilômetros (tudo dentro do parque), onde fizemos uma dúzia de paradas (modo de dizer, pois não tenho a menor idéia de quantas vezes paramos  - acho que foram mais de doze) para tirar fotos e curtir a paisagem. São dezenas de lagos, cachoeiras, rios, glaciares e muitos picos de granito com neve nos cumes.

No caminho para um dos lagos, que possui um glaciar gigante, pegamos o primeiro trecho de rípio com vento lateral e confesso que fiquei muito assustado, pois não conseguia manter a moto nos trilhos deixado pelos carros, mas graças a Deus conseguimos chegar são e salvos. Ao chegar a beira deste lago pudemos brincar e tirar fotos com blocos de gelo que flutuavam sobre a água.

Em outra parada para fotos pudemos fotografar de perto alguns Guanacos e a paisagem mais marcante do parque – o lago Pehoé com as suas águas verde esmeralda e os cuernos ao fundo (como são chamados os três maiores picos do parque). Alguns quilômetros a frente paramos para mais fotos, a beira de outro lago, e para nossa surpresa quatro zorros se aproximaram e ficaram descansando bem próximo de nós. Cômico foi ver uma van parar ao nosso lado e sair de dentro vários americanos (pelo menos todos falavam em inglês). Eles “armados” até os dentes com máquinas fotográficas super potentes se posicionaram e não pararam mais de “clicar” os bichinhos.

Quando chegamos ao albergue já passavam das 5 da tarde, ou seja, levamos 8 horas para percorrer 176 quilômetros. A “culpa” desta demora deve ser atribuída unica e exclusivamente as belíssimas paisagens que nos “obrigaram” a parar diversas vezes pelo caminho como disse anteriormente. Para completar a nossa empolgação a paisagem do quarto que ficamos hospedados é magnífica. Aqui vale fazer um parênteses, e bem grande, sobre o albergue.

Foi a hospedagem mais cara da viagem, mas que vale cada tostão desembolsado. A construção é toda em madeira montada na horizontal e todos os quartos, com seus janelões, são de frente para os cuernos. Para se ter uma idéia deitado na minha cama era possível ver os picos. Do lado de fora do albergue fica localizado um ofurô gigante, que não tive coragem de entrar, afinal a temperatura da água dele estava a 40 graus e a ambiente não passava dos 8 graus. Nós optamos pela pensão completa que incluía um bom café da manhã, um kit viagem (com direito a sanduíche, suco, fruta e barras de cereais para degustar durante as caminhadas) e uma excelente janta em um restaurante no próprio albergue em um ambiente muitíssimo acolhedor. Mais legal ainda neste albergue é o espírito dos hospedes. Gente amante do treking ou simplesmente amantes da natureza de todos os lugares do mundo curtindo a vida da melhor maneira possível.

Em nossa primeira noite ficaram hospedados em nosso quarto dois ingleses e dois espanhóis, na segunda ficamos nós e um casal de São Paulo. Durante o jantar do dia de nossa chegada ficamos planejando como seria o nosso treking do dia seguinte. Participaram da conversa os espanhóis, os ingleses e mais dois australianos que estavam a uns cinco quartos do nosso. Após o jantar fomos cedo para a cama, pois o passeio que programamos, pasmem, previa nos encontrarmos as 3:00 da manhã no refeitório!














13º Dia - 02/04/2008
Torres del Paine

        Nesta manhã ao sair da cama até estranhei não arrumar as malas e ir direto para a moto, pois após 12 dias sem dar tréguas para as nossas companheiras de viagem, neste dia elas ficaram descansando ao lado do albergue. Diga-se de passagem, descanso merecido.

        Conforme combinado as 3:00 estávamos (eu, o Junior e os espanhóis) no refeitório, porém nada dos australianos. Os ingleses haviam feito este passeio no dia anterior e neste dia estavam de partida. Tomamos o café que os funcionários do albergue haviam deixado preparado para nós e pegamos nossos kits de viagem (que também estavam prontos).
Saímos as 3:15 do albergue e iniciamos a caminhada em direção a um ponto de observação estratégico dos cuernos, localizado a 2400 metros de altitude. Neste ponto quando os primeiros raios de sol surgem o granito fica na cor lilás. Para chegar a este ponto leva-se em torno de 4 horas e por este motivo iniciarmos a caminhada tão cedo.

Já na saída, a uns três minutos de caminhada, avistamos um puma deitado a uns 20 metros de nós. Ele ficou parado por alguns segundos, depois levantou-se e caminhou para dentro da mata. Nós o vimos somente por alguns segundos, mas esta visão nos deixou boquiabertos por muito tempo, foi incrível ver um animal destes tão de perto e principalmente solto em seu habitat.

Iniciamos a subida e rapidamente descobrirmos que acompanhar os espanhóis seria uma tarefa difícil. Eles fazem trilhas todos os finais de semana e nas férias sempre “camelam” muito. Para se ter uma idéia, no ano anterior eles cruzaram a ilha de Córsega localizada no mar mediterrâneo (pertence a França), foram mais de 280 quilômetros em 30 dias. Por amarem o trekking é que estavam no parque Torres del Paine. O parque possui mais de 180 quilômetros de trilhas, fora as inúmeras vias para quem gosta de praticar escaladas. Os albergues e locais para camping são distribuídos estrategicamente pelo parque fornecendo aconchego ao andarilho em todas as suas caminhadas. Os espanhóis estavam fazendo o circuito W, que exige 4 dias de caminhada e parada em 4 albergues diferentes.

Voltando ao nosso sofrimento (plenamente compensado).... a caminhada foi toda na escuridão, somente com a luz de nossas lanternas. Durante o caminho por várias vezes dava para perceber que estávamos caminhando na beira de penhascos e próximos a rios. Após 3,5 horas chegamos ao ponto de observação e para meu espanto já estavam lá mais de 20 pessoas de todos os lugares do mundo; Itália, Alemanha, Holanda, França e Austrália (os que não encontramos no café da manhã).

Infelizmente o céu estava nublado e o sol não iluminou os cuernos, mas apesar disto a vista deles é fantástica e o lago que existe em suas bases é de uma cor verde indescritível. Ficamos lá por mais de duas horas curtindo a paisagem, apesar dos 3 graus que fazia. Antes de iniciarmos a descida nos despedimos dos espanhóis, que retornaram rapidamente (no ritmo deles) ao albergue para pegar as mochilas e seguir para outro albergue, distante a 10 quilômetros do que estávamos. Na descida viemos curtindo a paisagem e tirando muitas fotos e por este motivo levamos um pouco mais de 6 horas para chegar ao albergue. Quando chegamos ao nosso quarto encontramos um presente sobre as nossas camas, os espanhóis nos deram duas lindas taças para vinho. Mais legal do que o presente foi o gesto deles. Confesso que as taças nos deram muito trabalho, pois tínhamos que acomodá-las muito bem todos os dias para agüentar o rípio que enfrentaríamos (mais de 900 quilômetros). Ela está guardada em minha cristaleira com todo o cuidado e carinho em um lugar de destaque.
Tiramos o resto da tarde para descansar e nos preparar para a estrada do dia seguinte cujo destino era El Calafate.








14º Dia - 03/04/2008
Torres del Paine – El Calafate, 251 km

        Como o trajeto a ser percorrido era curto saímos quase 10 horas da manhã do albergue com temperatura em torno de 5 graus e uma garoa muito fina do tipo “molha-bobo”. Percorremos 88 quilômetros de rípio em bom estado até chegarmos a Cerro Castillio, a última cidade que passamos no Chile em nossa viagem (eu classificaria como um povoado e dos bem pequenos).

Como nossos mapas indicavam a existência de um posto de gasolina fomos a caça, pois não havia ninguém nas ruas da cidade. Quando achamos uma lanchonete para pedir informações descobrimos que já havíamos passado em frente a estação de serviço. Retornamos ao centro do povoado seguindo as informações e rapidamente descobrimos por que não havíamos achado o posto. Eram dois pequenos quiosques com uns 3 metros quadrados cada (no máximo) todo fechado e as indicações de que aquilo era uma estação de serviço estavam pichadas na parede – Petrol Station / Bencina. Ao pararmos as motos vem uma senhora correndo de uma casa ao fundo. Ela entra em um dos quiosques por uma porta localizada nos fundos do “posto” e abre uma janela, pela qual passa o bico da bomba que não indica o valor que devemos pagar, só indica a quantidade de litros colocada. Com uma calculadora a frentista nos diz o valor da conta a qual é bem grande - pagamos o equivalente a R$ 3,75 o litro da gasolina.

Com os tanques cheios fomos até a alfândega na “periferia” da cidade para fazermos a burocracia de saída. Rodamos mais 10 quilômetros de rípio até a alfândega argentina onde fomos muito bem atendidos - sem dúvida o melhor atendimento alfandegário que tivemos em toda a viagem. O motivo foi fácil de entender, o policial possui uma Sahara e como nós adora pegar a estrada nos dias de folga. Ao retornar para as motos a garoa havia parado e o famoso vento patagônio deu as caras, começou a soprar impiedoso nos acompanhando até Bariloche.

Rodamos mais 14 quilômetros de rípio e entramos na ruta 40, que neste trecho tem um asfalto impecável. A estrada é paralela a cordilheira e por este motivo o vento quase sempre sopra transversal a nossa trajetória nos obrigando a rodar com as motos inclinadas. Seguimos direto para Tapi Aiki, um aglomerado de poucas casas e um posto de gasolina. No caminho cruzamos com um grupo de ciclista que estavam indo para o sul – esses sim são corajosos! Enquanto “almoçávamos” no posto chegou um casal de holandeses que estavam indo para Torres del Paine de bicicleta (imagino que sofrimento deve ser enfrentar aquele vento). Tentei puxar papo, mas acho que estavam tão estressados com o vento que não deram muita bola.

Quando estávamos nos preparando para sair o frentista nos aconselhou pegar um atalho que por encurtar o trajeto em míseros 25 quilômetros eu havia descartado enquanto preparava o roteiro por ser de rípio. Questionei-o se realmente valia a pena e a resposta dele foi muito convincente, esta estrada com 40 quilômetros de rípio é num vale e totalmente isenta de vento. Então fica a dica, se estiver ventando forte pegue o atalho que vale a pena. A estrada é boa e vencemos o trajeto em 40 minutos. Ao chegar ao asfalto dobramos a esquerda em direção a El Calafate e pegamos o vento de frente. Aí a XT mostrou o poder de seu motor, pois conseguia manter a velocidade com certa tranqüilidade, enquanto que a Falcon era obrigada a andar em quarta marcha e mesmo assim não conseguia passar dos 80 Km/h. Este trecho de estrada é totalmente em descida e com uma linda vista do Lago Argentino ao fundo.

El Calafate é totalmente voltada para o turismo e por conta disto tem muitas lojas de soufenirs, agências de turismo que organizam os passeios, restaurantes e opções de hospedagem. Por volta das 4 da tarde paramos no albergue Hostel del Glaciar que o casal de paulistas que conhecemos em Torres del Paine haviam nos indicado. Sem dúvida uma boa indicação.

Já que El Calafate é uma cidade grande para os padrões da Patagônia fomos atrás de uma oficina / loja de peças para tentar achar uma relação para a minha moto pois tínhamos muito chão até Bariloche. Como não encontramos nada retornamos para o albergue, tomamos um banho e fomos passear pela cidade, desta vez a pé. Fomos direto à agência de turismos indicada pelo casal de paulistas para agendarmos os passeios para os dois dias seguintes. Tudo acertado fomos fazer umas pequenas comprinhas, jantar em um tenedor libre e telefonar para casa. Como o ônibus iria nos pegar cedo não nos enrolamos muito e retornamos para o albergue antes das 22:00.






15º Dia - 04/04/2008
El Calafate

As 6:55 estávamos no hall de entrada do albergue aguardando o nosso ônibus que chegou pontualmente as 7:00 horas, mas pela falta de respeito de alguns passageiros tivemos que aguardar por mais 15 minutos. O ônibus saiu serpenteando pelas ruas da cidade parando em uma dúzia de hotéis e albergues, provando mais uma vez como El Calafate é voltada para o turismo e está muito bem preparada para isso. Após 45 minutos de paradas o ônibus pegou uma estrada com uma paisagem magnífica, lindas montanhas com seus cumes nevados e o lago argentino com uma cor indescritível. Percorremos uns 20 quilômetros e o ônibus parou em um mirante para tirarmos algumas fotos a beira do lago. Praticamente todos ao sair do ônibus queriam retornar imediatamente para o calorzinho gerado pelo sistema de calefação. Não sei precisar a temperatura, mas devia estar algo em torno de 2 a 5 graus, porém o vento que estava soprando a 70km/h (segundo o guia) fazia com que a sensação térmica despencasse para -2 graus (também segundo o guia). Mesmo com esta sensação de estar dentro de um freezer foi possível fazer fotos maravilhosas.

Rapidamente o grupo retornou para dentro do ônibus que em menos de 10 minutos já estava na entrada do Parque Nacional Perito Moreno. Sem sair do ônibus os guardas-parque nos venderam os ingressos. Após tudo acertado o ônibus embrenhou na mata por uma estrada de rípio muito estreita e cheia de curvas. Em 20 minutos chegamos ao centro de visitantes do parque, onde já estavam parados uma dúzia de ônibus e muitos carros e vans.

Antes de descer do ônibus os guias passam as primeiras orientações (gravar o número do ônibus, horário de retorno, etc). Saímos e fomos caminhar pelas passarelas e os mirantes, com vistas uma mais linda que as outras do enorme glaciar e do lago argentino. Ficamos por mais de 1 hora curtindo este visual maravilhoso e tirando centenas de fotos (sem exagero).
Descrever o Glaciar Perito Moreno é algo praticamente impossível, mas vou tentar. As fotos com certeza farão isto melhor... O Glaciar é uma formação de gelo que desce da montanha em direção ao lago Argentino. Esta formação é de grande magnitude, são 14 por 4,5 quilômetros e a altura para fora do espelho de água é de 55 metros o que nos torna insignificantes perante desta obra de Deus. Esta massa de gelo “cresce” em direção as passarelas formando um dique natural, dividindo o lago Argentino em duas partes. O lado sul do lago, Brazo Rico, recebe inúmeros córregos das montanhas fazendo com que nível de água aumente deixando um desnível em relação a outra parte do lago Argentino. Durante a nossa visita este desnível estava em 22 metros. De tempos em tempos a pressão da água faz com que o dique rompa-se criando um espetáculo único (segundo os moradores locais). Esse fenômeno aconteceu pouco mais de dois meses de nossa passagem por lá.

Além da beleza visual o glaciar nos proporciona efeitos sonoros fantásticos. O gelo racha por conta das grandes pressões internas gerando sons muito similares a trovões, tanto no timbre quanto no volume. Esta pressão também é responsável pelas lascas que caem de suas bordas no lago, como se fossem desmoronamentos, aumentando o impressionante impacto áudio-visual que o Glaciar Perito Moreno cria sobre os seus visitantes.

Depois de ficar com o maxilar doído, por conta do queixo caído causado pela beleza do local fomos para o restaurante no centro de visitantes, próximo das 13:00 horas. Lá almoçamos, lanche para variar. As 13:30 entramos no ônibus que nos levou a um porto na margem do Lago Argentino (Brazo Rico). Lá pegamos um barco que nos levou ao outro lado do lago num trajeto que passa bem perto do Glaciar - algo em torno de 500 metros. Já em terra firme fizemos uma pequena caminhada até a base em do Glaciar Perito Moreno. Ali nos foi passado diversas dicas de como caminhar sobre o glaciar enquanto a equipe vestia os nossos sapatos de grampos. Os turistas são divididos em grupos de no máximo 12 pessoas que são acompanhados por dois guias. Os grupos são formados de forma que em uns só se fala espanhol e outros só em inglês. Optamos pelo grupo em que os guias falavam em inglês por ser mais fácil para o Junior e eu.

Caminhar sobre o gelo com aqueles sapatos é uma experiência única. Você tem que bater o pé a cada passo para que os grampos finquem no gelo e você não escorregue. Outro cuidado importante a se tomar é com as fendas, pois elas podem chegar a 17 metros de profundidade. As cores por onde andamos vão de um branco muito alvo ao cinza, passando por tons de azul impressionantes. Em alguns lugares parece que estamos pisando em uma pequena lâmina de gelo e que vai quebrar a qualquer momento, mas os guias garantiam que existem muitos metros sob nós. Após 1 hora de aventura sobre o gelo chegamos a um ponto já no final do passeio onde havia uma mesa. Ali nos foi servido uísque doze anos com gelo de milênios (retirados do próprio glaciar na hora). Para acompanhar alfajores. Chegamos ao barco em uma euforia incrível, afinal dia como este é para poucos, muito poucos. Quando saímos do parque já era praticamente noite e como estava muito cansado desmaiei, só acordando quando chegamos ao hostel próximo das 19:30, ou seja um passeio de mais de 12 horas.

Após um belo banho fomos a um restaurante para nos abastecer e comprar o almoço do dia seguinte. Como durante o dia não parei e a diversão era tanta não tive tempo para sentir saudades, porém a noite quando a adrenalina baixou senti um vazio muito grande, minha mulher estava fazendo muita falta. Comentei com o Junior e ele me disse que também estava com este mesmo sentimento. Após alguns minutos no telefone tentando matar esse sentimento, que não foi possível, retornei para o albergue.








16º Dia - 05/04/2008
El Calafate

Mais uma vez acordamos cedo para o passeio do dia. O ônibus passou no hotel para nos pegar as 6:30 e antes das 7:00 já estávamos embarcando em um catamarã gigante que nos levaria a um passeio de mais de 8 horas sobre o lago Argentino passando por diversos glaciares, dentre eles o Upsala (o maior de todos) e o Spagazinni (o mais alto). Além dos glaciares ele iria parar na Bahia Onelli que em minha opinião o ponto alto do passeio, pois existem inúmeros blocos de gelos de diversas dimensões e formas. Ali fizemos nosso lanche apreciando a paisagem repousante do lugar.

Dentro do catamarã cabem aproximadamente 300 pessoas sentadas em poltronas similares a de aviões, mas como queríamos ter melhor visão dos glaciares e dos blocos de gelo ficamos praticamente o tempo todo no convés, onde o vento aumentava a sensação de frio, que devia estar beirando aos 5 graus.

O passeio é muito bacana e rendeu fotos incríveis, mas depois do dia anterior este passeio perdeu um pouco de seu encanto e por isso minha narrativa para por aqui. De qualquer forma não podemos menosprezá-lo – fale a pena fazê-lo.
No final da tarde pegamos as motos para dar um “trato”, afinal no dia seguinte iríamos rodar mais de 600 quilômetros, sendo que 390 em rípio na famosa ruta 40 – aquela em que todos que encontramos pelo caminho caíram. Esticamos e lubrificamos a corrente, verificamos o nível de óleo e abastecemos as motos. Jantamos e fomos cedo para o albergue descansar pois iríamos acordar as 5:00 da manhã.